Blog do Instituto Casa de Autores, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a leitura e qualidade dos escritores no Brasil.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

ANGELA E ANGELO

ANGELA PEDIU PARA ANGELO
ESPERAR SETE DIAS E SETE NOITES
ERA O PRIMEIRO TESTE QUE ELA FARIA COM ELE...
SE ELE RESISTISSE, PASSARIA PARA A SEGUNDA FASE...
CASO NÃO, SERIA ELIMINADO PARA SEMPRE...
ANGELO NÃO CONHECIA MUITO BEM AS REGRAS DO JOGO..
MAS QUERIA A ANGELA...
FARIA QUALQUER TESTE...
ANGELA QUERIA PROVAR PARA ELA MESMO
QUE NINGUEM QUE AMA 
PODE RESISTIR ...
A SETE DIAS E SETE NOITES...
NEM ELA RESISTIRIA...
TEMPOS MODERNOS...
ONDE O QUE VALE É A AUSÊNCIA...
QUANTO MAIS TEMPO VC CONSEGUIR FICAR SEM O OUTRO...
FICA PROVADO E COMPROVADO, 
QUE VAI TER UM ÓTIMO RELACIONAMENTO... 
QUE VC PODERÁ VIVER MUITO BEM COM O OUTRO...
PARA SEMPRE...
IMAGINEM VOCES QUE ESSE ERA APENAS...
O PRIMEIRO TESTE...
DAQUI A SETE DIAS SE ANGELO SOBREVIVER
ESCREVO O SEGUNDO TESTE...
TORÇAMOS PARA ELE...
E PARA ELA TAMBEM PARAR 
DE FAZER ESSES TESTES...

sábado, 26 de junho de 2010

O MUNDO SITIADO DE ROCHA

 

Rubens Shirassu Jr.

 

 

Desnudamento de um mundo descaracterizado e amorfo

 

 

É preciso ler muito devagar os contos de Pupilas Ovais, de Rosângela Vieira Rocha, para entrar nesse plano estilístico singular e envolvente. Uma vez nele, cremos que o leitor sentirá o mesmo encanto sombrio que sentimos. Romancista e contista, situa-se tanto entre os escritores metafísicos como entre os pesquisadores formais, como uma obra que lhe assegura um lugar de vanguarda na literatura brasileira contemporânea.

São histórias cinzentas, de casinhos miúdos, como miúda e cinzenta era a vida brasileira na época. Os contos desta fase de Vieira não arrastam seus leitores por aventuras emocionantes, não bisbilhotam a vida de pessoas ilustres, nem dão maior realce à vida sentimental dos personagens. Nada disso. A autora continua a discorrer sobre os costumes, manias, coisas aparentemente desimportantes, vividos por pessoas comuns. Mas algo de diferente há...

Essas pessoas comuns encontramos nos primeiros parágrafos dos contos de Rosângela, tornam-se absolutamente extraordinárias quando acabamos a leitura e fechamos o livro. O que as torna especiais e extraordinárias? A forma pela qual Rocha as constrói: devargazinho, na frente de nossos olhos, frisando um gesto, um jeito especial de falar, uma ação esboçada, mas não concluída. Ao fim da leitura, vemo-nos no personagem e sentimos nele também o homem brasileiro do século 20 e 21. O personagem da contista de Brasília é o Homem de sempre.

Criando seus personagens, Rosângela nada lhes perdoa: as mesquinharias pequenas e grandes, as indecisões, o oportunismo disfarçado, a falsa devoção e a moral de fachada. Rosângela é implacável e irônica, não ocultando o seu desencanto e, talvez, desencantando o leitor. Não com o livro, mas com a vida. Rocha desnuda as falsas virtudes, os interesses escusos, a caridade ostensiva, tudo, enfim, que constitui o avesso de uma vida socialmente digna e respeitável.

Como um contador de casos que sabe tomar distância do que conta, e que sabe, também, manter o leitor à distância. Afinal, é necessário um certo afastamento do objeto para que se possa ter um ângulo de visão mais abrangente. Nada de envolvimentos, nada de parcialismos.

A brasilidade de Rosângela consiste na fidelidade com que traz para seus contos todo o ambiente da sociedade urbana do interior brasileiro, miniaturizada nos diálogos, nas descrições sem tempo e espaço. Rocha recria, em seus contos, o mundo mineiro (e brasileiro) de uma sociedade arcaica, cujos hábitos antigos e cerimoniosos e cujas atitudes convencionais dissimulavam, na boa educação e nos modos polidos, toda a violência de uma sociedade com devidos créditos à escravidão, onde o apadrinhamento e o "jeitinho" solucionavam, sempre que necessário, as situações geradas por uma estrutura social assentada nos privilégios e numa visão desigual dos bens.

A contista, em seus melhores momentos, reflete esta sociedade dura e desapiedada, preconceituosa quanto à cor e à posição social. Aos olhos do leitor houve apenas uma simples mudança de fachada, pois os alicerces do tempo do Império continuam os mesmos.

A obra de Rosângela cria uma dimensão do real no qual o lugar-comum e a impotência do indivíduo (que vive destes mesmos lugares-comuns) acabam por criar uma imagem de um universo atípico, carente de heróis e de qualquer solução que salve o homem do marasmo do cotidiano. Mergulhados nos meandros do labirinto vivencial, os seres anulam-se, deparando-se com um grande vazio, geralmente representado pelo sonho destruído, que seria a resposta as suas inquietações. Em síntese, Rocha aborda uma sociedade que exige do indivíduo o cumprimento de uma série de normas em nome do bem-comum, para que ele faça jus a seu status de cidadão. Contudo, como verificaremos mais tarde, quer haja ou não esse cumprimento, o destino de todos os personagens é a solidão e a perda da identidade.

De tudo o que se analisou, fica evidente que a grande contribuição de Rosângela Vieira Rocha, para a literatura brasileira, reside no desnudamento de um mundo descaracterizado e amorfo, cujos seres se alienam, conduzidos por clichês que lhe são impostos por toda uma estrutura, voltada apenas para o consumismo e para o imediatismo existencial, embora lhes acene exatamente com o contrário: o amor idealizado, a felicidade conjugal, etc. Acresce que Rocha não se compraz com a linguagem enganadora de uma certa literatura, que faz do sentimental o instrumento que aliena o leitor, sob o pretexto de defender justas causas sociais. Nela, tudo é contundente: as meias-tintas são abolidas, a piedade é sempre filtrada pela sua veia jornalística, descritiva, cerebral e a concisão estrangula a grandiloquência.

Neste sentido, nada mais faz do que continuar uma tradição, cujas fontes, centradas no fluxo de consciência, remontam a autores de épocas diversas da literatura inglesa e brasileira: Katherine Mansfield, Jane Austen, Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Lúcio Cardoso e Ana Cristina César. Tais figuras produziram suas obras procurando afastar-se dos mitos literários e clássicos a nós impingidos.

 

( Texto publicado no blog www.BocaLivre.myblog.com.br no portal www.click21.com.br )