Blog do Instituto Casa de Autores, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a leitura e qualidade dos escritores no Brasil.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Instantâneos – Momentos de Dor IV


12. De manhã, quando ela abriu o Facebook estava lá a mensagem dele pedindo amizade. Depois de trinta anos, sentiu o mesmo palpitar no coração, o mesmo arrepio na pele. Respirou fundo e apertou a tecla deletar.

13. Ao abrir o livro, cai um recorte de jornal: “Quem encontra um amigo encontra um tesouro”. Volta a sua mente a imagem do pai, de quem herdara o livro: alegre, risonho, bonachão, otimista, generoso, paciente. “Isso era bem dele”, pensa instantaneamente. E sua atual solidão, sua vida amarga, seu isolamento começam a pesar como se fossem uma traição ao que ele sonhara para a vida de sua filha.

14.
Zapeando pelos canais de TV ela deparou com a imagem dele. Tantos anos depois, a mesma fisionomia tranquila que esconde um vulcão submerso, a mesma voz pausada e reticente, as mesmas mãos suaves em gestos moderados, somente os cabelos encanecidos marcam a passagem do tempo. Sua voz, alterada pelos instrumentos eletrônicos, traía um torvelinho interior que somente ela poderia perceber e decifrar. Turbilhão que ela se negou a apaziguar quando eram ainda muito jovens.

15.
Quando as cicatrizes do sofrimento já estavam quase curadas ele telefonou. Tinham passado alguns meses de separação e ela já estava voltando à tona, enfrentando a rotina, experimentando uma pouco de paz. Mas ele telefonou e o redemoinho de emoções invadiu novamente toda a sua mente e o seu coração. Voltava à estaca zero. Quase sem prestar atenção nas suas explicações ela o aceitou novamente como sempre fizera.

16.
Em sua cadeira de balanço, as mãos jogadas sobre o colo, os cabelos brancos amarrados em um coque na nuca, os óculos abandonados na mesa ao lado, ela mentalmente calculou  os anos que tinham se passado desde que o conhecera. Eram mais de quarenta. Entretanto sua imagem permanecia tão nítida e tão vívida como se não tivesse passado nenhuma hora de seu último encontro.


Lucília Garcez

Nenhum comentário:

Postar um comentário