Blog do Instituto Casa de Autores, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a leitura e qualidade dos escritores no Brasil.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O PRÍNCIPE DOS ESCRITORES

            Acordei hoje com a notícia da morte de Moacyr Scliar. Desde o dia 17 de janeiro, quando foi internado para retirar um pólipo benigno no intestino e teve um AVC no próprio hospital, venho acompanhando, com preocupação, as notícias sobre sua saúde.

           No último dia 9 seus leitores e amigos agarraram-se à esperança: houve uma perspectiva de melhora, pensou-se até que a sedação poderia ser retirada. Que ele iria melhorar, enfim. Contudo, a situação acabou se complicando com o surgimento de uma infecção respiratória, levando-o à falência múltipla dos órgãos.

           Nascido em Porto Alegre, formado em medicina, profissão que exerceu até o fim com grande humanidade, ele tinha 73 anos e publicou mais de 70 livros de diversos gêneros literários: romance, crônica, conto, literatura infantil e ensaio. Ingressou na Academia Brasileira de Letras em 2003 e ganhou o Prêmio Jabuti em 1988, 1993, 2000 e 2009.

          Li vários de seus livros, que tiveram grande influência na literatura de origem judaica (ele era judeu) e na literatura fantástica, e me emocionei especialmente com "O texto, ou: a vida - uma trajetória literária", de 2007, que é uma reflexão sobre a literatura de modo geral e de como, com sua força, ela foi entremeando-se na vida dele, como uma hera num muro.

        Sobre Moacyr, o escritor Menalton Braff, meu amigo, disse que ele era "o príncipe dos escritores brasileiros", por sua elegância, sua postura, a finura de seus gestos, sua calma e sua dignidade. Por experiência própria, sei que ele respondia a todos os escritores que lhe escreviam, embora recebesse cartas do Brasil inteiro, de centenas de escritores. Não fazia distinção entre famosos e iniciantes, lia tudo e comentava os livros, sempre com um olhar generoso, buscando realçar o que havia de positivo nas obras, estimulando, dando força.

          Enviei-lhe meu primeiro livro, meio com o coração na mão diante de um escritor de sua magnitude, e ele me mandou uma carta escrita à mão, que guardo como uma relíquia.

          Somente no ano passado é que o conheci pessoalmente, durante a 2ª Feira Literária de Pirenópolis, Goiás, à qual compareceu, a convite da agente literária Iris Borges, uma das organizadoras do evento. Embora o contato com ele tenha sido muito breve, pudemos trocar algumas ideias, já que estávamos hospedados na mesma pousada. Pedi que autografasse alguns livros que levei especialmente para isso, o que ele fez às 5 horas da manhã (como ele ia viajar muito cedo, deixei os livros na portaria). Quando acordei e o rapaz da pousada me devolveu os exemplares, senti que tinha em mãos algo muito precioso.

           Na véspera, ele tinha feito uma palestra na Feira, com sua voz pausada e discreta. Seu rosto revelava alguns sinais de cansaço, depois de ter feito longa viagem, de Porto Alegre ao interior de Goiás.

          Serei sempre grata a Iris Borges por ter promovido a participação dele na Feira, pois só assim pude conhecê-lo e entender a razão pela qual recebeu a alcunha de "príncipe dos escritores brasileiros".

         A única ideia que me consola nesse momento é imaginar a chegada de Moacyr Scliar ao paraíso. É muito provável que, nesse momento, Santa Teresa D'Ávila, grande escritora, esteja cochichando com San Juan de la Cruz:

- Temos novo companheiro, Juan.

                                                    - Ah, é? Veio de onde?

                  - Do sul do Brasil. Seu nome é Moacyr Scliar.

- Você já convocou os músicos?

                                  - Claro. Todos estão a postos para a cantoria começar. O coral dos arcanjos e dos querubins está se preparando há dias, ensaiando sem parar, para a recepção.

              Na enorme praça central do paraíso, todos os escritores e leitores já formam uma compridíssima fila à espera dos autógrafos, que serão feitos com uma caneta de ouro, presente de um dos serafins. É assim que vejo Moacyr agora, sempre perto de Santa Teresa D'Ávila e de San Juan de la Cruz, comendo ambrosia e ouvindo cantos celestiais.

 

Rosângela Vieira Rocha


sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma Caixa cheia de boas surpresas!

O Grupo Virtú realizou nesta sexta-feira 25/02 uma apresentação especial do espetáculo Caixa de Memórias para a Casa de Autores. Foi uma noite cheia de boas surpresas! O espetáculo baseado em livros de Literatura Infantil, alguns deles de escritores da Casa, histórias e memórias dos atores consegue festejar todos os nossos sentidos. Mistura na medida certa literatura, música, teatro, bonecos, manipulação de objetos e faz até referência ao cinema para contar com delicadeza e simplicidade a história de amizade e dedicação de um menino e sua vizinha idosa que perdeu a memória.

 A festa começa na entrada da  ETCA - a Escola Teatral Confins Artísticos, que abriga o aconchegante teatro em que a peça fica em cartaz até 20 de março. O público é recepcionado com música e convidado a descer para o teatro...
 Em fila, miúdos e graúdos, já imaginando o que os espera, descem os degraus e entram pra valer no clima do espetáculo. Embarcam nas histórias costuradas com a maestria de quem sabe bordar na simplicidade do cotidiano a mais pura fantasia e se entregam a uma alegria cheia de cumplicidade. A linha que divide o palco e a aconchegante arquibancada parece sumir e todos interagem, viajam juntos para aquele tempo dos contos de fadas: o para sempre e guardados numa caixa que se abre pra provocar sensações, desengavetar lembranças, cheiros, gostos, imagens, sonhos!
 Caixa de Memórias é assim: traz várias linguagens interagindo no palco, tem humor sem exageros e harmonia em tudo o que propõe. Consegue tirar dos livros histórias boas de ouvir e contar, dos instrumentos melodias que nos transportam, dos movimentos corporais e expressões dos atores sentimentos e emoções e de cada escolha plástica, algo que nos chega como surpreendente.
Sem malabarismos cênicos, exageros sonoplásticos e com a singeleza de quem acredita no que está fazendo e faz com paixão, o Virtú chega onde se propõe, no coração de cada um que os assiste.
O espetáculo fica até o dia 20 de Março, sempre aos sábados e domingos com sessões às 17h30 no Teatro ETCA, na comercial da 711 norte, bloco C Loja 05. Os ingressos custam R$ 20,00 a meia entrada para estudantes, professores, artistas e idosos.
Vale a pena conferir!

LITERATURA SEM FRONTEIRAS


Literatura sem fronteiras

niltomaciel@uol.com.br - Artigos, resenhas, ensaios, contos, crônicas, poemas, entrevistas, notícias...

Friday, February 25, 2011

 

Rosângela Vieira Rocha e a arte de fisgar leitores

Nilto Maciel

(Rosângela Vieira Rocha)

 

Em 2006 recebi de Rosângela Vieira Rocha exemplar de seu Rio das Pedras (Brasília: Secretaria de Estado de Cultura, 2002). Na folha de rosto está escrito: "Para Nilto Maciel ofereço esta novela, escrita há mais de vinte anos, embora tenha sido publicada somente em 2002... Esses fatos fazem parte da nossa história, que é a história da maioria dos escritores brasileiros. Com a amizade da Rosângela Vieira Rocha. BSB, 21/10/06". Agora, passados quatro anos, ela me enviou mais dois volumes: Pupilas ovais (Brasília: LGE Editora, 2005) e Fome de rosas (Brasília: Nossa Cidade Editora, 2009).

 

Quem é Rosângela Vieira Rocha? Tracemos resumida biografia: Nasceu em Inhapim, Minas Gerais, e se radicou em Brasília em 1968. Tem duas profissões: jornalista e professora. Sua função principal, no entanto, é de escritora. O livro inaugural de sua escritura é o romance Véspera de lua, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura da Editora UFMG, em 1988. Dedica-se também à literatura para crianças: A festa de Tati.

 

Como se vê, Rosângela não é apressada, não corre, não anda atrás do brilho falso. Vai compondo devagar, alinhavando contos e romances, cosendo as palavras e as locuções. E esta lição se vê expressa na própria narração ou no discurso do narrador: "A primeira frase é a mais difícil, escuto sempre. Não é bem assim. A segunda é difícil, a terceira também, inclusive a centésima. O ato de escrever é doloroso e difícil, criança tirada a fórceps, como nos velhos tempos". Este é o início de Rio de Pedras. No capítulo IX, mais ou menos no meio do livro e da composição, a narradora observa: "Tenho pensado cada vez mais assiduamente nas relações entre as emoções e o tempo". E esta é a medula de sua literatura: o ser humano na sua essência. Não a casca, a aparência, o ato em si. Para muitos, a ação, na prosa de ficção, é tudo. Para eles, basta contar, narrar. O leitor que sofra ou goze. Literatura de puro entretenimento. Como na maioria dos filmes: muitos tiros, muito sangue derramado, mortes e mais mortes, e fim. O leitor se sente vingado. Satisfeito. Nem precisa matar o vizinho, violar Chapeuzinho Vermelho ou jogar bomba no palácio.

 

Pupilas ovais é constituído de treze peças curtas. É a estreia de Rosângela neste gênero. Não no modo peculiar de narrar: persiste na narração do pós-fato e não do fato em si. Rachel Jardim, no prefácio desta coleção, fez esta observação: "O importante não é o fato em si, mas a forma com que isso é retratado. Todo escritor verdadeiro tem que ter um mundo. Rosângela tem". Suas personagens são mulheres que todos conhecemos. Seria o tal do "universo feminino"? Ora, o feminino está sempre ao lado do masculino. Se se fala de conflito na alma feminina, todo ele existe em razão do masculino. Entretanto, os narradores ou as narradoras de Rosângela têm o olhar voltado para as mulheres, seja na academia de ginástica, no interior das casas, nas calçadas, nas ruas.

 

Rosângela escreve corretamente. Nada de encantamento com a sentença pomposa nem de dedicação doentia à alquimia do embrulhar as vísceras das frases. Elabora a escrita como quem conta uma história, com simplicidade, para se fazer entender por crianças, jovens, cidadãos letrados, analfabetos, hermeneutas e até caçadores de imbróglios linguísticos. Assim: "Seu marido morrera há dois anos, mas ainda sentia muito a sua falta". Pretérito mais-que-perfeito, verbo haver na forma usual, expressões de entendimento geral (sentir muito a falta), etc. Nenhum malabarismo.

 

A terceira publicação aqui apresentada pode ser qualificada como novela, embora os termos "novela" e "romance" se mostrem confusos a leitores, escritores, críticos e editores, há muito tempo. No prólogo de Fome de rosas, Henrique Chagas resume a obra assim: "Trata-se de uma novela de leitura fácil e envolvente que narra o desenrolar da vida de uma família de classe média alta, que vê tudo se desmoronar com o falecimento do esteio da casa, o pai Lisandro, de 50 anos, um famoso advogado da cidade". A novela se inicia no presente, como nas telenovelas: "O cortejo deixa a capela". Na elocução seguinte, dá-se um retrospecto: "Não houve tempo para os convites, tudo aconteceu rapidamente". Na maior parte do tempo, o narrador onisciente parece não se dirigir a ninguém (o leitor – como se ele não existisse ou não fosse existir ou ler o livro): "Exausta, Letícia desliga o computador. Teve de refazer três vezes a mesma petição e não gostou do resultado final". Sempre o tempo presente seguido de um retrocesso. Essa técnica, no entanto, vai aprisionando o leitor à trama, como em sessão de hipnose. E isso, essa sedução, é nuclear na ficção de Rosângela.

 

Dou, então, um conselho aos leitores: se não quiserem ser fisgados pelos arpões expostos nas narrativas de Rosângela Vieira Rocha, não deem o primeiro passo, não se aproximem de seus palimpsestos, não abram suas páginas. E durmam em paz.

 

Fortaleza, 23 de fevereiro de 2011.

 

Postado por Literatura sem fronteiras – niltomaciel@uol.com.br às 4:55 AM

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Marcadores: Crônicas

 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um convite para Caixa de Memórias


Caixa de Memórias é o espetáculo que o Grupo Virtú apresenta a partir do próximo sábado e até do dia 20 de março, sempre aos sábados e domingos, às 17h30  no Teatro da ETCA ( Escola Teatral Confins Artísticos que fica na comercial da  711 norte, bloco C loja 05.
Caixa de Memórias guarda surpresas e uma mistura de linguagens muito bem amarradas e em sincronia total no palco, pra falar de forma lúdica e delicada sobre infância, velhice, lembranças e sonhos.
O espetáculo apresenta uma contação de histórias diferente sobre duas gerações distintas. São abordados temas sensoriais, históricos e regionais. Caixa de Memórias usa, para trazer o lúdico à cena, contação de histórias, bonecos de manipulação direta, manipulação de objetos inanimados, música ao vivo, coreografia cênica e imagens vocais provocando a imaginação e criatividade na criança.

Além das histórias tiradas de livros infantis, das memórias dos atores e das memórias contadas pelos pais e avós dos membros do grupo, o texto do espetáculo teve como principal inspiração diversos livros do grupo  CASA DE AUTORES, adaptados ao roteiro e que, não só definem a estética plástica do espetáculo bem como trazem à tona o universo da criança à peça.

Serviço:
Espetáculo: Caixa de Memórias
De 19 de fevereiro a 20 de março
Sábados e Domingos
Às 17:30h
Endereço: SCLRN 711 Bloco C Loja 05
Preço: R$ 20,00 (meia para classe artística, estudantes, idosos e professores)
Classificação Indicativa: LIVRE para todos os públicos
Informações: (61) 82029339 ou (61) 96796713 ou (61) 81970362
grupovirtu@gmail.com

Só pra dar água na boca, um trechinho do espetáculo aí abaixo!

Caixa de Memórias

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Letramento Literário com base na teoria de gênero

Letramento literário com base na teoria de gênero: como a leitura
literária abre as portas para o aprendizado de conhecimentos
científicos e técnicos

Nos dias 24, 25 e 27 de janeiro, estive em três escolas da região de
Taguatinga e Ceilândia: Colégio Dinâmico, Colégio Certo e Cemar. Nas
três escolas, falei sobre letramento literário com base no gênero.

Sumário

O ensino baseado na noção de gênero tem sido adotado em todo o mundo,
especialmente no ensino de inglês para estrangeiros, com visível
sucesso na aprendizagem. Consiste na idéia de que aprender a ler e a
escrever depende não apenas de um saber lingüístico (conhecer
vocabulário, sintaxe, semântica) descolado do ambiente social e do
contexto institucional. Aprender a ler e a escrever depende, também,
do conhecimento das interações sociais, das relações de poder e do
objeto da aprendizagem (física, matemática, geografia, literatura).

Nesta palestra, além de uma visão geral dos gêneros, apresento
especificamente uma metodologia para trabalhar o gênero literário do
campo das histórias (narrativas curtas, contos).

A questão-chave é: o que se ensina quando se trabalha literatura na
escola? Na palestra, apresento ferramentas simples, que permitam ao
professor elaborar suas lições, ler, analisar e explicar textos
literários. Ao mesmo tempo, o professor terá um instrumental de
avaliação, isto é, o que ele deve ter em conta quando avalia um texto
do aluno? Como mensurar a nota? Que valor dar aos aspectos
morfossintáticos (concordância, regência, pontuação) e que valor dar
ao conteúdo?

Apresento, também, o arcabouço do gênero dissertativo-argumentativo,
com as principais ferramentas analíticas.

Público: docentes de todas as áreas do conhecimento e níveis de ensino.

Duração: uma hora de exposição e trinta minutos para questões.

Currículo do palestrante:

João Bosco Bezerra Bonfim, graduado em Letras (UnB, 1986), Mestre
(UnB, 2000) e Doutor em Lingüística (UnB, 2009), escritor, tem livros
de poesia lírica, cordéis, livros para crianças e também ensaios na
área de Análise de Discursos. É também Consultor Legislativo do Senado
Federal (desde 1996), na área de Políticas Culturais. Migrante do
sertão do Ceará, mora em Brasília desde 1972, onde fez seus estudos e
trabalha. Seu primeiro livro publicado foi amador amador, em 2001, de
poesia lírica; logo em seguida, A fome que não sai no jornal (2002),
com ensaio sobre o discurso da mídia fez o contraponto entre o lirismo
e terreno acadêmico, logo seguido de Palavra de Presidente – discursos
de posse de Deodoro a Lula(2004), no terreno da retórica. Mas foi com
Romance do Vaqueiro Voador (2004/2010), em forma de cordel que firmou
seu perfil de narrador, nessa obra que recebeu prêmios de design
gráfico e foi adaptada para longa-metragem. Em um terreno mais vasto,
tem trilhado o caminho das histórias para crianças, com obras
originais, como No Reino dos Preás, o Rei Carcará (2009) e Um
Pau-de-Arara para Brasília, (2010) e adaptações de clássicos, como O
Soldadinho de Chumbo em Cordel (2009).

--
João Bosco Bonfim
www.folhetodecordel.com.br
www.joaoboscobonfim.com.br
www.twitter.com/joaoboscobonfim