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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Instantâneos Momentos Dor


1.
Ela estava deitada do seu lado costumeiro da cama. Seu sono era leve, sobressaltado, às vezes, como por espasmos intermitentes. Acordou, passou a mão esquerda pelo travesseiro vazio ao seu lado. Foi então que sentiu uma agulhada no peito, como se seu coração estivesse sendo golpeado por um punhal muito fino. Duas lágrimas rolaram pelo seu rosto devastado pela irremediável ausência.

2.
A mãe recebeu o corpo do filho das mãos dos policiais dentro de um caixão simples. Acariciou a face estragada por hematomas e cortes. Abriu a camisa e conferiu todas as feridas no tronco. Virou o corpo e vistoriou todas as marcas e chagas nas costas. Abaixou as calças e examinou os vestígios das queimaduras, os abscessos, as ulcerações. Pegou as mãos e afagou delicadamente os desvãos de onde as unhas foram arrancadas. Depois pegou os dedos dos pés e conferiu um a um. Só então, depois de reviver todas as dores, os suplícios, as aflições de seu filho, com um pequeno soluço abafado, pediu que fechassem o caixão.

3.
O pai e a filha conversaram sobre um conserto que precisava ser feito no telhado. Riram da segurança com que o pedreiro assegurava a exatidão do seu diagnóstico. Comentaram a iminência de um gol no jogo de futebol que estava sendo transmitido pela TV. Depois ficaram em silêncio acompanhando os passes dos jogadores. Quando, enfim, a filha olhou para o pai na cadeira de balanço  ao seu lado, ele fechara os olhos e deixara pender a cabeça para a direita suavemente, sem nem mesmo um último suspiro ou uma palavra de adeus.

Lucília Garcez

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