Blog do Instituto Casa de Autores, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a leitura e qualidade dos escritores no Brasil.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

ONDE BROTAM OLHOS D'ÁGUA

Rosângela Vieira Rocha*

Como será a Casa de Autores em 2015? Funcionará numa linda casa cor-de-rosa? Ou seria também verde, lembrando as cores da Mangueira? Situada no Plano Piloto ou no alto de Sobradinho? Os móveis serão em estilo inglês, como sonha uma das autoras? Pelo menos três escritores já terão conquistado o Prêmio Jabuti? Iris Borges, a coordenadora do grupo, finalmente poderá se dedicar apenas ao agenciamento dos autores e à sua própria carreira literária? E atualmente, o que a Casa representa para cada um dos dezesseis escritores presentes, de um total de vinte e dois? Muito? Pouco? Traduz amparo, força, alegria ou desamparo, tédio, decepção?
Temas como esses, versando sobre o presente e o futuro, foram discutidos na terceira imersão anual dos autores da Casa, realizada no último fim-de-semana (6 e 7), em Olhos D'água, distrito de Alexânia, a oitenta quilômetros de Brasília. É uma cidadezinha bucólica e simpática, muito atraente para quem gosta de natureza, de fazer trilhas e de tomar banho de rio e de cachoeira. Como o próprio nome indica, a água brota em diferentes pontos, cristalina e fria. Eu estivera lá há muitos anos, participando da Feira de Trocas, que tornou a cidade famosa na região.
A maioria ficou hospedada na Pousada do Professor Armando, que eu nunca poderia imaginar que fosse o meu antigo e brilhante professor Armando, que dava aulas de literatura no CIEM – Centro Integrado do Ensino Médio, colégio vinculado à Universidade de Brasília, lamentavelmente extinto pela ditadura, no início da década de setenta. Fiquei feliz ao ver que seu fortíssimo sotaque português permanece igual, assim como sua verve. Logo na entrada da pousada, há uma deslumbrante árvore de cinamomo, com seu delicioso e incomparável perfume.
 As discussões não poderiam ter sido num cenário mais encantador: a casa, ou melhor, o complexo de casas do escritor João Bosco Bezerra Bonfim, ligeiramente afastadas da cidade, que nos acolheu em meio às suas violetas, orquídeas e florzinhas miúdas, com direito a incontáveis cafés com bolos e pães caseiros feitos por sua mulher, a bela e hospitaleira Marilda, que à noite nos serviu caldo verde e de grão de bico, além de quibe assado, acompanhados de torradas e vinho.
Dizem que os vinhos eram realmente bons. Abstêmia, fiquei no refrigerante mesmo, usufruindo do excelente papo de Marcelo Pio, que, além de escritor, é psicanalista. Pode parecer paradoxal, mas enquanto comíamos, falávamos, entre outras coisas, de anorexia, tema do meu romance "Fome de Rosas".
 O sarau de sábado seria ao ar livre, ou melhor, ao redor da fogueira, que no final da tarde já estava acesa, mas as discussões sobre as questões práticas da Casa foram até as nove da noite, quando o fogo já ia alto e a chuva caía. Além da publicação e da divulgação de nossos originais, discutimos a formação de leitores e de mediadores de leitura, modos de participação em feiras de livros, cursos, oficinas e outros eventos literários em Brasília, nas cidades circunvizinhas, no resto do país e – por que não dizer – no mundo. Sobretudo agora, que a Casa está se transformando no Instituto Cultural Casa de Autores, há que se mirar o futuro, sempre ele, para traçarmos a caminhada.
O surpreendente dessa imersão foi constatar que, embora tradicionalmente encontros de escritores sejam vistos como uma batalha de egos, uma verdadeira fogueira de vaidades, conseguimos nos despir da competição, da inveja, da mediocridade, da mesquinharia e de seus conjuntos nefastos e vestir novos trajes, feitos de pérolas e fios de ouro, cortados em tecidos de seda e idealizados por estilistas diferentes, espirituais, que costuram com materiais mais nobres, intangíveis, como respeito, amizade e solidariedade. Cada um viu o colega não como um competidor, mas como seu igual, um irmão, e nos reunimos em torno da grande mãe, a Literatura. Tal fato adquire um caráter ainda mais impressionante quando se leva em conta que, por ser um grupo democrático, o nosso é constituído por autores mu ito diferentes, em termos de formação e de faixa etária, que trabalham com gêneros literários diversos, voltados para públicos diferenciados.
O alto astral que permeou o encontro é, sem dúvida, poderoso indicador de que houve um amadurecimento autêntico dos autores da Casa desde o seu início em 2008, ano da nossa primeira imersão. Rosa ou verde, própria ou alugada, com móveis ingleses ou em estilo barroco, a Casa transformou-se em lar, capaz de acolher os seus membros, com poderes até mesmo para ralhar com eles e para mimá-los, quando necessário.
É apenas um palpite, mas ouso dizer que não foi por acaso que a cidade de Olhos D'água, com seu belíssimo e significativo nome, foi escolhida para nos receber. Tudo se torna fértil e verde nas proximidades das fontes perenes, onde até dos troncos cortados nascem novos brotos, surgem brilhantes folhas, flores desabrocham em locais inesperados. Valeu a pena ter participado dessas horas de congraçamento, valeu a pena ter estado presente como escritora e, sobretudo, como ser humano.





*Rosângela Vieira Rocha é jornalista, professora, escritora e membro do grupo Casa de Autores desde sua criação.

4 comentários:

  1. Rosângela,
    Que Maravilha !!!!
    Texto Lindíssimo !!!!
    Beijo de Parabens !!!!

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  2. Em Olhos D'água o que brota
    não são apenas as fontes
    são também as alegrias
    e esperanças aos montes
    de escritores e escritoras
    aportando no horizonte.

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  3. Rosângela,
    Estou sem palavras para definir a emoção que senti ao ler, simplesmente maravilhoso!!!!!
    Parabéns!!!!!!!!!

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  4. O bom é que a palavra, assim, escrita, eterniza os momentos todos e nos permite reviver tudo!
    Belo relato, dona Rosângela! Fez brotar em mim um pedaço de rio, talvez um mar para aportar tanto sonho!
    Grande beijo.

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