Se você
está lendo este texto significa que está entre os 26% da população que atingiu
o alfabetismo pleno. Você conquistou e dominou uma das tecnologias mais
sofisticadas e refinadas que o processo civilizatório desenvolveu. Compreende que
a leitura é emancipadora, libertadora, iluminadora e nos permite observar a
vida através de muitos outros olhares, o que nos amplia a visão de mundo.
Mas,
segundo a recente pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro,
juntamente com o Ibope, 32,5 milhões de brasileiros acima de 15 anos são
analfabetos funcionais, ou seja, apenas decodificam as palavras, mas são
incapazes de compreender o que leem e de usar a leitura e a escrita como
instrumentos de ação efetiva em suas práticas sociais. E, mais grave, o ensino
universitário não assegura uma solução, pois 38% dos portadores de diploma de
curso superior não alcançam o nível de alfabetização plena.
Esses
dados não são surpreendentes em um país de não leitores. A pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil 2011, do Instituto Pró-Livro, mostrou que 50% dos brasileiros
não têm o costume de ler, 75% da população nunca entrou numa biblioteca e a
média de livros por habitante/ano é 4, inclusive os didáticos; sem os didáticos,
a leitura cai para 1 livro por habitante/ano. Em países de primeiro mundo, os
índices indicam mais de 10 livros por habitante/ano. Se considerarmos que a
leitura é um fator essencial para o desenvolvimento humano, social e econômico
de um país, pois o avanço tecnológico depende de qualificação e a qualificação
está ligada à habilidade de leitura, encontramos um dos motivos do nosso
atraso.
É
urgente reverter o quadro da leitura no Brasil. Mas dominar essa competência
envolve um percurso, muitas vezes descontínuo e cheio de obstáculos, e qualquer
iniciativa em direção ao estímulo à leitura deve envolver diversos agentes e
diferentes segmentos sociais: famílias, escolas, professores, bibliotecários, autores,
meios de comunicação, governo.
O
desenvolvimento da leitura depende de: convívio contínuo com histórias, livros
e leitores, desde a primeira infância; valorização da leitura pelo grupo
social; disponibilidade de acervo de qualidade e adequado aos horizontes de
desejo e aos diferentes estágios de leitura dos leitores; tempo para ler, sem
interrupções; ambiente de segurança psicológica e de tolerância dos educadores
em relação ao percurso individual de superação de dificuldades; e oportunidades
para expressar e compartilhar interpretações e emoções vividas nas experiências
de leitura.
O ato
de ler, seja um texto informativo ou de Guimarães Rosa, é, simultaneamente, uma
atividade individual única e uma experiência interpessoal profunda e intensa,
um exercício dialógico ímpar, pois entre leitor e texto desencadeia-se um
processo de decifração, interpretação, reflexão e reavaliação de conceitos
absolutamente renovado a cada leitura.
A
leitura exige procedimentos mentais complexos que são construídos pela mediação
do outro: o pensamento abstrato, a memorização, a atenção voluntária, o
comportamento intencional, as ações conscientemente controladas, a
generalização, as associações, o planejamento, as comparações, ou seja, as
funções superiores da mente que nos fazem humanos, como afirma Vygotsky.
Nem sempre é um
procedimento fácil. Faz inúmeras solicitações simultâneas ao cérebro. Desde a
decodificação de signos, interpretação de itens lexicais e gramaticais,
agrupamento de palavras em blocos conceituais, identificação de palavras-chave,
seleção e hierarquização de ideias, associação com informações anteriores,
antecipação de informações, elaboração e reconsideração de hipóteses,
construção de inferências, compreensão de pressupostos, controle de velocidade,
focalização da atenção, avaliação do processo realizado, até a reorientação dos
próprios procedimentos mentais para a compreensão efetiva e responsiva,
realiza-se um complexo processo cognitivo. E ler se aprende lendo.
Além disso, a leitura não se esgota no
momento em que se lê, mas se expande por todo o processo de compreensão que
antecede o texto, explora-lhe as possibilidades e prolonga-lhe o funcionamento
para depois da leitura propriamente dita, enriquecendo a vida e o convívio com
o outro. Como se vê, trata-se de uma atividade exigente, que vai na contramão
dos apelos da nossa sociedade veloz. Em boa hora o MinC e a Biblioteca Nacional
lançam a campanha Leia Mais, Seja Mais, no âmbito da ações do Plano Nacional do
Livro e Leitura, que tem com um dos seus eixos a valorização social da leitura.
Lucília
Garcez é doutora em
Linguística, escritora, ex-professora da UnB, autora de Técnica de Redação, Ed.
Martins Fontes, entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário