Acordou
suado, sobressaltado, olhou para os despertador: 5:23. De novo, mais uma vez,
era a quinta noite seguida que acordava de supetão às 5:23 horas. Não se
lembrava com que tinha sonhado, mas permanecia a sensação de que toda noite era
o mesmo sonho. Restava a esperança que não demoraria cerca de uma hora para
dormir, como acontecera nas noites anteriores. Virou para o lado e olhou para a
cortina de listras amarelas. Mergulhou na lembrança do dia em que a cortina foi
comprada, faz muito tempo, tudo mudou... nada mudou...
Maria
Helena insistia que ele devia ter cortinas: “Uma casa sem cortinas não é uma
casa!”. Cortinas, pensava, só servem para obstruir a entrada da luz, mas como
esse apartamento já tem persianas, para quê, meu Deus, para quê? Mas gostava de
Maria Helena e, afinal, aquele apartamento era quase casa dela. Ela o ajudara a
procurar, escolher, mobiliar, e passava muitas noites por lá. “Amanhã, na hora
do almoço, vamos comprar as cortinas”. Foram diretamente a uma loja que Maria
Helena conhecia e ela escolheu as cortinas, enquanto ele concordava
distraidamente. No final de semana, depois de instalarem as cortinas, Maria
Helena não se cansava de dar mostras de satisfação com a “verdadeira casa”.
Acordou
de novo, ainda suado, olhou para o relógio: 5:35. Começou a pensar nas coisas
que o aguardavam no escritório, precisava acabar dois relatórios e deveria
rever um projeto, tudo naquela manhã, pois à tarde haveria mais uma reunião.
Como gostam de reuniões, esses caras... Na semana passada, inventaram reunião
todos os dias... Lembrou-se de seus primeiros dias nesse trabalho, sentia-se
tão adulto: reuniões, datas limite, responsabilidades, coisas de gente
grande... Quanta inocência perdida!
Virou
para o outro lado, a claridade começava a incomodar, olhou mais uma vez para o
despertador: 5:57. Cortinas e persianas, de que adianta se nunca se lembrava de
fechar... Antigamente, nem ligava para claridade, dormia de qualquer jeito. Na
casa dos pais, quando era criança, havia apenas uma cortina fininha, mas o
sono, esse era espesso, impenetrável e tão agradável. Não havia despertador,
era a mãe que vinha chamá-lo três, quatro vezes, se fosse preciso. Não
precisava se preocupar com a hora, a mãe estaria lá, assegurando que ele
estaria de pé na hora certa, vestido, penteado, de café tomado, pronto para a
escola. Ah! Havia os dias que pegavam carona com o vizinho, um carro bem velho
e um motorista que insistia em andar sempre no acostamento. E a filha do
vizinho... tão branquinha, tão nervosinha... casou com um sueco e mudou-se para
lá. A cor da pele combina...
Será
que perdeu a hora? Senta-se na cama, assustado, pisca os olhos e olha para o
despertador: 6:08. Puxa, como o tempo demora a passar... Devo me levantar?
Posso tomar um café, comer alguma coisa... Ah! Os cafés da manhã de sábado com
Maria Helena, seu cabelo solto, a camiseta larga, a omelete com tomates, a
vontade de que isso durasse para sempre ou que acabasse já e Maria Helena
sumisse... A mãe dela nunca gostou dele, vivia dizendo que ela merecia coisa melhor,
que coisa melhor? Maria Helena ria...
Virou
de costas para a cortina mais uma vez e olhou, de novo, o relógio: 6:12.
Pensou, outra vez, no escritório. Se não houvesse tantos relatórios, tantas
reuniões, talvez fosse um trabalho agradável. Mas o que sobraria se não
houvesse relatórios e reuniões? Sentiu uma pontinha de tédio, todo dia, quando
chegava no trabalho, tinha a impressão de que não produzia nada, que no fim das
contas todo seu trabalho era inútil. Suspirou desanimado, se eu não fizer isso,
vou fazer o quê? Poderia tentar mudar de trabalho, mas para que, se todos eram
assim... Poderia tentar fazer outra coisa... mas o quê?
O
pai sempre dizia: “Profissão boa é aquela que dá para mudar de profissão
sempre”. E fazia a apologia da advocacia: “Um dia família, outro penal, depois
internacional, qualquer coisa é Direito, cansou de uma, toca a mudar para
outra”. Mas quem vai lá escutar os pais a essa altura da vida? A mãe, por outro
lado, em sua infinita adaptabilidade, dizia: “A gente gosta do que faz, se
resolvo fazer algo, vou gostar”. Ele, nem prático como o pai, nem adaptável
como a mãe, tinha escolhido o que lhe parecia interessante no momento. Mas o
momento passou...
Agora
não conseguia mais dormir. Quando pensava nessas coisas, trabalho, profissão, o
que fazer da vida, vinha sempre um sentimento de exasperação, uma vontade de
não-ser ou de ser outro. Olhou, mais uma vez, para o relógio: 6:31. Quando era
criança, tinha a sensação de que um dia seria descoberto. Alguém o descobriria
e diria: “Você é grande, você é genial!”, em que não sabia. Os anos passaram, a
vida passou, e ninguém o descobriu, nem ele mesmo. Mas essa sensação ainda
persistia vagamente...
Levantou,
foi ao banheiro e hesitou entre voltar para a cama e tomar um café. Enfiou-se,
de volta, debaixo dos cobertores e suspirou satisfeito, ainda são 6:45, dá para
dormir bastante ainda... Sempre gostara de dormir. A noite era como uma bênção,
o dia era para se preocupar, pensar, decidir, fazer, a noite, não. A noite
convidava a sonhar, a esquecer... Boa deve ser a vida nos polos, três meses só
de noite...
Acordou
sobressaltado, com um barulho estridente, o despertador, o despertador! 7:00
horas. Desligou o despertador, sentou-se na cama, meu Deus, imagine três meses
seguidos de dia...
Nurit Bensusan
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