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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Despertador



Acordou suado, sobressaltado, olhou para os despertador: 5:23. De novo, mais uma vez, era a quinta noite seguida que acordava de supetão às 5:23 horas. Não se lembrava com que tinha sonhado, mas permanecia a sensação de que toda noite era o mesmo sonho. Restava a esperança que não demoraria cerca de uma hora para dormir, como acontecera nas noites anteriores. Virou para o lado e olhou para a cortina de listras amarelas. Mergulhou na lembrança do dia em que a cortina foi comprada, faz muito tempo, tudo mudou... nada mudou...

Maria Helena insistia que ele devia ter cortinas: “Uma casa sem cortinas não é uma casa!”. Cortinas, pensava, só servem para obstruir a entrada da luz, mas como esse apartamento já tem persianas, para quê, meu Deus, para quê? Mas gostava de Maria Helena e, afinal, aquele apartamento era quase casa dela. Ela o ajudara a procurar, escolher, mobiliar, e passava muitas noites por lá. “Amanhã, na hora do almoço, vamos comprar as cortinas”. Foram diretamente a uma loja que Maria Helena conhecia e ela escolheu as cortinas, enquanto ele concordava distraidamente. No final de semana, depois de instalarem as cortinas, Maria Helena não se cansava de dar mostras de satisfação com a “verdadeira casa”.

Acordou de novo, ainda suado, olhou para o relógio: 5:35. Começou a pensar nas coisas que o aguardavam no escritório, precisava acabar dois relatórios e deveria rever um projeto, tudo naquela manhã, pois à tarde haveria mais uma reunião. Como gostam de reuniões, esses caras... Na semana passada, inventaram reunião todos os dias... Lembrou-se de seus primeiros dias nesse trabalho, sentia-se tão adulto: reuniões, datas limite, responsabilidades, coisas de gente grande... Quanta inocência perdida!

Virou para o outro lado, a claridade começava a incomodar, olhou mais uma vez para o despertador: 5:57. Cortinas e persianas, de que adianta se nunca se lembrava de fechar... Antigamente, nem ligava para claridade, dormia de qualquer jeito. Na casa dos pais, quando era criança, havia apenas uma cortina fininha, mas o sono, esse era espesso, impenetrável e tão agradável. Não havia despertador, era a mãe que vinha chamá-lo três, quatro vezes, se fosse preciso. Não precisava se preocupar com a hora, a mãe estaria lá, assegurando que ele estaria de pé na hora certa, vestido, penteado, de café tomado, pronto para a escola. Ah! Havia os dias que pegavam carona com o vizinho, um carro bem velho e um motorista que insistia em andar sempre no acostamento. E a filha do vizinho... tão branquinha, tão nervosinha... casou com um sueco e mudou-se para lá. A cor da pele combina...

Será que perdeu a hora? Senta-se na cama, assustado, pisca os olhos e olha para o despertador: 6:08. Puxa, como o tempo demora a passar... Devo me levantar? Posso tomar um café, comer alguma coisa... Ah! Os cafés da manhã de sábado com Maria Helena, seu cabelo solto, a camiseta larga, a omelete com tomates, a vontade de que isso durasse para sempre ou que acabasse já e Maria Helena sumisse... A mãe dela nunca gostou dele, vivia dizendo que ela merecia coisa melhor, que coisa melhor? Maria Helena ria...

Virou de costas para a cortina mais uma vez e olhou, de novo, o relógio: 6:12. Pensou, outra vez, no escritório. Se não houvesse tantos relatórios, tantas reuniões, talvez fosse um trabalho agradável. Mas o que sobraria se não houvesse relatórios e reuniões? Sentiu uma pontinha de tédio, todo dia, quando chegava no trabalho, tinha a impressão de que não produzia nada, que no fim das contas todo seu trabalho era inútil. Suspirou desanimado, se eu não fizer isso, vou fazer o quê? Poderia tentar mudar de trabalho, mas para que, se todos eram assim... Poderia tentar fazer outra coisa... mas o quê?

O pai sempre dizia: “Profissão boa é aquela que dá para mudar de profissão sempre”. E fazia a apologia da advocacia: “Um dia família, outro penal, depois internacional, qualquer coisa é Direito, cansou de uma, toca a mudar para outra”. Mas quem vai lá escutar os pais a essa altura da vida? A mãe, por outro lado, em sua infinita adaptabilidade, dizia: “A gente gosta do que faz, se resolvo fazer algo, vou gostar”. Ele, nem prático como o pai, nem adaptável como a mãe, tinha escolhido o que lhe parecia interessante no momento. Mas o momento passou...

Agora não conseguia mais dormir. Quando pensava nessas coisas, trabalho, profissão, o que fazer da vida, vinha sempre um sentimento de exasperação, uma vontade de não-ser ou de ser outro. Olhou, mais uma vez, para o relógio: 6:31. Quando era criança, tinha a sensação de que um dia seria descoberto. Alguém o descobriria e diria: “Você é grande, você é genial!”, em que não sabia. Os anos passaram, a vida passou, e ninguém o descobriu, nem ele mesmo. Mas essa sensação ainda persistia vagamente...

Levantou, foi ao banheiro e hesitou entre voltar para a cama e tomar um café. Enfiou-se, de volta, debaixo dos cobertores e suspirou satisfeito, ainda são 6:45, dá para dormir bastante ainda... Sempre gostara de dormir. A noite era como uma bênção, o dia era para se preocupar, pensar, decidir, fazer, a noite, não. A noite convidava a sonhar, a esquecer... Boa deve ser a vida nos polos, três meses só de noite...

Acordou sobressaltado, com um barulho estridente, o despertador, o despertador! 7:00 horas. Desligou o despertador, sentou-se na cama, meu Deus, imagine três meses seguidos de dia...


Nurit Bensusan

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