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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Instantâneos - Momentos de dor (III)


7.
A mesa posta para dois. A melhor porcelana, copos de cristal, toalha de linho branco, flores no centro de prata. O vinho ainda fechado no balde de gelo já derretido. As velas apagadas nos castiçais. O relógio de parede bateu as badaladas indicando meia-noite. Sentada no sofá, ela despertou assustada. Tinha cochilado durante a longa espera. Conferiu a hora. Acendeu as luzes. Começou, então, lentamente, a desarrumar a mesa e a juntar os cacos da sua alma destroçada.

8.
Quando ela entrou no quarto o computador estava ligado. Sentou-se diante da tela e viu que uma mensagem tinha começado a ser escrita. Com certeza ele resolvera ir tomar água na cozinha e deixara por instantes a máquina ligada. Passando os olhos, de repente ela se deu conta de que era uma mensagem de amor... e não era para ela. Havia alguém mais na vida dele. Sua vida dissolveu-se em segundos, como pequenas bolhas de sabão no ar.

9.
No meio da festa, enquanto os convidados caíam na gargalhada depois que, já meio embriagado,  contara uma piada, ela olhou para ele e o viu como realmente era. Uma mistura de desprezo e indiferença invadiu todo o seu corpo, sua mente, sua corrente sanguínea, e ela percebeu que era o fim do amor, que dali em diante não poderia mais viver junto a ele. Já nem sabia mais o que um dia os aproximara. Saiu da sala com o sentimento de que ali não era a sua casa.

10.
A dona da casa e o empregado estavam sentados na varanda olhando o mar. O velho contava a ela o longo e profundo sofrimento de sua mulher com uma doença fatal. Falava de suas noites maldormidas, de suas tentativas de amenizar a dor da companheira, de seu desespero por saber-se inútil e impotente diante da fatalidade, de sua vontade de colocar fim naquela agonia prolongada. Ela entrou na sala em silêncio, abriu uma gaveta e entregou um pequeno vidro azul ao ancião. Ele colocou o veneno mortal no bolso da camisa. Os dois continuaram olhando o mar cinzento sob as nuvens que prenunciavam chuva.

11.
Ela chegava de viagem num voo anterior ao que estava programado inicialmente. Pegou sua bagagem e se dirigiu ao ponto de táxi que ficava além do saguão do aeroporto. Seu coração alvoroçado pela surpresa que pretendia provocar. No trajeto, cruzou com um casal que se abraçava apaixonadamente  numa longa despedida. Imediatamente reconheceu o perfil dele. Perplexa, abaixou os olhos e seguiu adiante, como se aquele não fosse o homem com quem dormiria todas as noites subsequentes de sua vida.

Lucília Garcez

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