1.
Ela estava deitada do seu lado costumeiro da cama. Seu sono
era leve, sobressaltado, às vezes, como por espasmos intermitentes. Acordou,
passou a mão esquerda pelo travesseiro vazio ao seu lado. Foi então que sentiu
uma agulhada no peito, como se seu coração estivesse sendo golpeado por um
punhal muito fino. Duas lágrimas rolaram pelo seu rosto devastado pela
irremediável ausência.
2.
A mãe recebeu o corpo do filho das mãos dos policiais dentro
de um caixão simples. Acariciou a face estragada por hematomas e cortes. Abriu
a camisa e conferiu todas as feridas no tronco. Virou o corpo e vistoriou todas
as marcas e chagas nas costas. Abaixou as calças e examinou os vestígios das
queimaduras, os abscessos, as ulcerações. Pegou as mãos e afagou delicadamente
os desvãos de onde as unhas foram arrancadas. Depois pegou os dedos dos pés e
conferiu um a um. Só então, depois de reviver todas as dores, os suplícios, as
aflições de seu filho, com um pequeno soluço abafado, pediu que fechassem o
caixão.
3.
O pai e a filha conversaram sobre um conserto que precisava
ser feito no telhado. Riram da segurança com que o pedreiro assegurava a
exatidão do seu diagnóstico. Comentaram a iminência de um gol no jogo de
futebol que estava sendo transmitido pela TV. Depois ficaram em silêncio
acompanhando os passes dos jogadores. Quando, enfim, a filha olhou para o pai
na cadeira de balanço ao seu lado, ele
fechara os olhos e deixara pender a cabeça para a direita suavemente, sem nem
mesmo um último suspiro ou uma palavra de adeus.
Lucília Garcez
Nenhum comentário:
Postar um comentário