Olha só onde é que eu
tava naquele dia: preparando exames de risco cirúrgico para proceder minha
histerectomia subtotal por videolaparoscopia. No resultado da esteira, surgiu
um indicador de que haveria risco de isquemia cardíaca. Duas possibilidades:
alguma disfunção cardíaca ou deficiência hormonal própria de mulheres da minha
idade, próximas da menopausa, com queda na produção de hormônios. O
cardiologista não podia ficar na dúvida. Me mandou fazer uma cintilografia do
caroção. Do coração. Tive que tomar uma injeção de um líquido radioativo que
iria brilhar no escuro da câmera onde entrei para me submeter a fotos
sequenciadas de todas as partes do músculo cardíaco. Ali dei a primeira pala.
Coração disparado, pânico de ter que ficar imóvel. Só porque a moça mandou
ficar imóvel, não respirar com força, não tossir, não esgagar. Não engasgar. Taquicardia
braba, medo, pânico. Era o teste em repouso. Poucos dias depois, o de esforço, após
correr na esteira e tomar na veia outra injeção de líquido radioativo.
Novamente a câmera, imóvel, sem tossir ou respirar forte. Nova taquicardia,
mais branda, novo pânico.
A cintilografia não
deu nada, mas fiquei depois disso com medo de estar sofrendo de algo. Bateu
aquela ideia de que a idade é de risco. Fui pra cirurgia com pequeno receio. E
se a anestesia me fizesse mal? E se morresse ou tivesse um piripaque na mesa de
operação? No dia, a cena: entro no hospital cagando tudo. Numa salinha tiro
toda a roupa. Me sentam numa cadeira de rodas. Na porta do centro cirúrgico,
entrego à Irmã Mais Velha os óculos, perco o contato visual com o mundo, engulo
lágrimas que escorrem fugitivas. A enfermeira me autoriza a chorar. “Todos têm
medo”, garante. Olho pros lados, a médica chega, a anestesista se apresenta,
não vejo mais nada.
Abro os olhos, o
Médico Amigo e Ex está ali, conforme o prometido, zelando para que tudo me
cercasse de segurança. Penso que é meio-dia e meia, são três da tarde. Tem um
caninho de plástico no meu nariz. Volto pro quarto, encontro as irmãs, a Mãe,
não sei bem em que ordem. Quando chega a noite e tenho que tomar uns remédios
mais fortes contra a dor, o segundo susto: ela me aplica uma droga muito pesada,
que me faz sentir pânico, a cabeça fica louca, agarro a mão da Cunhada Irmã e
temo morrer. Grito para a moça não sair do quarto porque posso morrer. Ela diz
que o remédio é mesmo muito forte, que posso não querê-lo mais. Imploro que
anote na ficha para nunca mais me aplicarem aquilo, senão morro ou enlouqueço.
Dali em diante, no
pós-operatório, se divide a minha relação com os medicamentos. Quero parar de
tomá-los o quanto antes, me dão tonteiras, receio a volta da reação de
enlouquecimento. Angústia, ansiedade me deixam quase louca. “Não é para quem
quer”, garante a Analista. Enlouquecer não é pra mim. Mas os sintomas do pânico
posso. E voltam. Peço a volta do Lexotan. Tenho medo de ficar sozinha, de
entrar no avião e não dar conta de ficar ali dentro. O Lex me permite embarcar
sozinha de volta à cidade onde moro, aos braços do Amado. O Lex me acompanha
nas horas em que temo comer, ficar sozinha, não dormir, não engolir o remédio,
nas dores no corpo, na ansiedade que empurra o tempo em câmera lenta...
Ela não sabe mas
precisa escrever pra se salvar da loucura. Da ansiedade doentia que lhe tira o
controle sobre os sintomas que a circundam, encostam, vão e voltam. Que vão,
não voltem! Que a libertem logo da prisão que impede a escrita libertadora. A
salvação. A palavra. A confissão. Confesso a Deus todo-poderoso que preciso
confessar a mim mesma o que preciso dizer. Está tudo ali, ela sabe e não vê,
ela vê e não sabe.
Clara Arreguy
Nenhum comentário:
Postar um comentário